Page 67 - Comunicar na Republica

Basic HTML Version

67
I República – Liberdade em ação
1920
«Chegou ontem a Lisboa, a bordo do iate
Electra
, o
famoso inventor Marconi
Eram 9 horas quando o iate
Electra
deu entrada no
nosso porto. Todo pintado de branco nas suas linhas
e elegante no seu conjunto, a sua aparência impres-
siona, dando vontade de se conhecer não só o seu
interior, onde o conforto e o luxo são notáveis, como
de conhecer o célebre inventor a que pertence e cujas
descobertas não têm unicamente uma estrutura e
grandeza científica, mas sim uma génese superior,
uma inspiração genial e uma beleza moral que em-
polga e surpreende.»
4
O mundo saído do primeiro grande conf lito trouxe
consigo profundas modificações, quer no campo po-
lítico, económico e social, como no domínio de inova-
ções tecnológicas, onde Marconi se destaca, uma vez
mais, no panorama através do desenvolvimento da
radiotelefonia e do sistema de onda curta.
O objetivo da segunda deslocação de Marconi ao
nosso país, de 21 a 23 de abril de 1920, prendeu-se
com a realização de experiências que visavam não
só a manutenção e a melhoria do serviço telegráfico
nacional, como, também, evitar de futuro o embate
entre navios, quando as condições atmosféricas fos-
sem adversas à navegação.
Para dar solução a este problema Marconi apresenta
a sua recente invenção, que contribuiu para o salva-
mento de inúmeras vidas em cenário marítimo na
Grande Guerra. Este confessou a alguns jornalistas
a sua preocupação, neste caso utilizando Portugal e
o seu território ultramarino como exemplo, em faci-
litar as comunicações à distância, auxiliando assim
o estreitamento das relações entre os mais distantes
países.
O inventor italiano trazia a bordo diversos aparelhos,
um de TSF com relativa potência e com o qual tencio-
4
. In Diário de Notícias
, n.º 19 537, 22 de Abril de 1920, p. 1.
Assim que Marconi desembarcou foi alvo de repeti-
das manifestações por parte da numerosa assistência.
Marconi trajava com a maior simplicidade, um fato
de f lanela azul-escuro com espaçadas riscas amare-
ladas...»
3
A 22 de maio de 1912, partido de Madrid, chega
Marconi pela primeira vez à cidade de Lisboa. A sua
chegada ao Rossio é anunciada por apoteóticas ma-
nifestações populares, observando-se assim, uma
vez mais, a regra histórica, bem característica do
povo de Lisboa, do bem receber. Acompanharam-
-no nesta viagem G. C. Isaacs, director da Marconi’s
Wireless Telegraph Company Limited, o marquês de
Solari, dois secretários particulares, e o responsável
pela organização desta visita, o Dr. Bernardino Ma-
chado, enquanto presidente da distinta e reconhecida
Sociedade de Geografia de Lisboa. Juntamente com
o povo, esperavam também o corpo diplomático, ele-
mentos do Governo, figuras de relevo da sociedade
portuguesa, personalidades da colónia italiana radi-
cada na capital e os esperados jornalistas, nacionais
e estrangeiros.
A preenchida agenda de Marconi para os dois dias
privilegiou os contactos oficiais com o Governo, com
a Presidência da República, com os diferentes ele-
mentos da diplomacia, e com a «
intellegentia
lusitana».
Os últimos apresentaram-se na sessão especial em
honra de Marconi, presidida pelo próprio chefe de Es-
tado, na Sociedade de Geografia. Nos intervalos da
inf lexibilidade oficial, houve tempo para confraterni-
zar com os seus compatriotas e visitar alguns locais
que o marcaram, como o Mosteiro dos Jerónimos e
o Museu dos Coches, e admirar a beleza do percurso
da linha costeira, de Lisboa até à vila de Cascais.
Para além de todos estes aspectos, o objetivo pri-
mordial de Marconi com esta viagem era simples,
encetar diretamente e
in loco
as negociações com
o Governo, no sentido de se proceder à instalação
de diversos postos de TSF no território português,
ligando Portugal continental aos Açores, à Madeira
e a Cabo Verde.
Dos encontros com as individualidades competentes
e atuantes, resultou a assinatura de um acordo que
visava a instalação dos referidos postos em território
nacional. Mas, com a partida de Marconi no dia 24
de Maio, este acordo caiu num processo de grande
lentidão, devido sobretudo à falta de recursos finan-
ceiros e à Primeira Guerra Mundial. Posto isto, entre
1912 e a abertura do serviço comercial radiotelegrá-
fico decorreu mais de uma década, pautada por uma
evolução mínima, em que muitos dos esforços dos
otimistas se dissiparam, animados apenas em 1920
com a segunda viagem de Marconi a Portugal.
3
. In Diário de Notícias
, n.º 16 713, 23 de maio de 1912, p. 1.
Iate
Electra
, 1920 – (
Ilustração Portuguesa
, 3 de Maio,
n.º 741, p. 311).
FPC