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de outras, denunciava-as o brilho radioso da poesia, o perfume can-
tado por António Correia de Oliveira:
Na carta meu amor! Que me escreveste,
Que beijaste, talvez (quero-o supor…),
Que tuas mãos fecharam, que trouxeste
No seio (inda lhe sinto o seu calor!);
Amor! Neste papel, onde puseste
O perfume da Carne – como a flor,
Sem o saber, espalha, em derredor;
O seu aroma e o seu alvor celeste:
Aqui, me dizes tu, à luz do dia,
O que qualquer criança me diria,
Criança que mal sabes que és Mulher!
E eu sinto arder minha alma em sonho, em lume…
É que me fala mais o teu Perfume
Do que as simples palavras de dizer.
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Escrevia Jayme: «Os teus olhos são escuros/ Como a noite mais cer-
rada/ Apesar de tão escuros/ Sem eles não vejo nada.» (2/9/1905),
lembrando outro poema achado noutra carta:«Bendito seja o Deus,
bendita a Providência/ Que deu o lirio ao monte e à tua alma a ino-
cência./ o Deus que te criou, anjo, para eu te amar/ E fez do mesmo
azul o céu e o Teu olhar.» «Como a rosa desfolhada/ vai boiando na
corrente/ omeupensamento voa/ Para ti constantemente.» (6/9/1905)
«
Na sexta-feira às dez horas,olha p'ra lua,/ Que eu, tão longe,ai tão
quista dos nossos sentidos só nos desse forças para reciprocamente
balbuciarmos:eu,onomedeBertha,tuonomedeAlbano.» (16/9/1912)
Numa única carta, Bertha mostrava responder àquela adoração:
«
Meu querido:Que sublime gozo eu sentiria se nestemomento ouvis-
se a tua voz maviosa derramar desejos ardentes e jurar-me um amor
eterno por entre umsemnúmero de beijos! Ah! Como sou feliz empen-
samento! Não esqueças a tuaBertha.» (24/9/1912) Absolutoamor que
se alimentava do real e do sonho como o que Leonardo Coimbra can-
tou na sua
Adoração
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e vibrante de sensualidade:
«
Ao ver-te ao pé de mim, eu sinto rebrilhar
No fundo do meu ser o lume do Desejo
E teu olhar febril, em rápido lampejo,
Reflecte o mesmo ardor, que tentas occultar.
(...)
E o beijo voará, n'um sonho de delícias,
E as mãos hão-de tremer na febre das carícias,
E os olhos cerrarás n'um extasis de amor!»
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O Sr. X e Blanche percorriam as mesmas ruas, sem jamais se cruzarem
numa febrealucinadade juntar novamenteos pedaços deamores frag-
mentados, entoando a melodia daquelas vozes anónimas, o seu
canto sentimental e quente,por vezes cheio de lágrimas,outras vezes
deumaeuforiadehinoao sol.Assimdevia ser oamor,essedesconhecido
e talvez em algummomento dessa peregrinação sem tréguas, o seu
mistério se esclarecesse.
As cartas de
Jayme
a
Rachel
fascinaramo Sr. X, eram cartas compoe-
mas dentro. Achou-as numvelho armazém,misturadas commilhares