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talmente uma função para esse conjunto. E aqui chegamos à resposta
positiva, ou seja: para que a interpretação se faça de forma cons-
ciente, todo o elemento tem que ser criado com um objectivo ou
uma função (um conceito), ao passo que a soma dos elementos
nem sempre respeita a harmonia racional, restando somente a har-
monia estética para justificar o conjunto, tornando por vezes a arte
ininterpretável.
Este paradigma da interpretação entre o conjunto e o individual
remetemuitas vezes para campos exteriores à artemas perfeitamente
enquadrados nas ciências sociais - com efeito, ele encontra-se na
forma como o artista comunica e compõe a forma de compreensão.
E isto vem sendo verificado tanto na evolução das correntes pós-
-
modernistas como de outras formas de arte conceptual e van-
guardista que lhe seguiram.
A forma como a arte é «consumida» depende da maneira como
cada um está preparado para a receber, seja por efeito do conheci-
mento das principais características artísticas ou tão somente da sua
apresentação estética.
A arte (seja ela composta por elementos individuais ou por elemen-
tos aglomerados) só pode ser compreendida se treinada a percep-
ção para esse efeito. Alguns pensadores crêem que não é de um
dia para o outro que se consegue ter sucesso interpretativo de algo
que não pode ser compreendido fora do seu espaço habitual,muito
menos conceber a ideia de criar um novo espaço metafísico que
inclua elementos racionais.
Ogosto pela pop art aguça a vontade de procurar cada vezmais novos
espaços, novas formas e novas técnicas que não têmde estar neces-
sariamente afastadas do seu mundo, devendo até copiar, reapre-
sentar e propor um ambiente esteticamente mais agradável aos
sentidos.
tempos modernos, pois permite a existência de um raciocínio lógi-
co que não põe em causa a interpretação.
Mas então como podemos conceber que o conjunto é menos inter-
pretável que o individual (se pelos vistos é isso que sucede na pop
art)?
A resposta parece numa primeira análise negativa,precisamente pelo
facto de a interpretação ser um reflexo da percepção, ou seja: quan-
do diante de uma obra, aquilo que adquirimos por efeito da sensi-
bilidade cria um refluxo interpretativo que pode ou não ser do domí-
nio comum, mas cria!
Desde a rejeição da teoria da arte como «representação de uma rea-
lidade exterior» (Foucault) que a discussão se vem agudizando. Na
psicanálise, os acontecimentos sociais e as exteriorizações individuais
são eventos que perdem o significado se não forem interpretados
(
correndo o risco de não serem compreendidos) os fenómenos que
deles decorrem. Na arte é diferente, pois a compreensão não se
torna fundamental, valendo simplesmente o estímulo dos sentidos
e a procura da sensibilidade estética. Logo, é neste ponto que a res-
posta à pergunta formulada encontra o seu ponto negativo, pois a
tarefa principal não é descobrir o máximo de conteúdo na obra nem
reduzi-la a observações do tipo «gosto/não gosto». É sim aprender
a purificar os conteúdos de forma a poder ver o que realmente lá está,
damesma forma que Roland Barthes retirou o
punctum
da fotografia
de uma mãe que nunca conhecera mas que continha todo o «ar»
que estimulava os seus sentidos e as suas memórias.
Por conseguinte, quando estamos perante elementos quotidianos,
não se colocam questões de significação, pois o uso que lhes damos
decorre precisamente do pressuposto para que foram criados, ao
passo que se os juntarmos de uma forma pouco objectiva a sua sig-
nificação começa a perder sentido e não conseguimos criar men-
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