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de notícias sobre a greve,mas a censura só deixou espaços embran-
co no lugar das notícias.
A viagemacidentada,depois de breve descidaaté aos Restauradores,
percorre a Avenida da Liberdade,Rua do Salitre,Rato,Campo de Ouri-
que, Necessidades, Alcântara onde uma multidão os mira com curio-
sidade,admirada como seu fino traje.Seguempor S
to.
Amaro,Junqueira,
Belém,onde são saudados,napassagem,por familiares de alguns dos
presos e pelo pessoal da estação telegráfica que promete ir entregar-
-
se no dia seguinte. Prosseguempor Algés,Dafundo, Cruz Quebrada.
Nesta altura já Godofredo Ferreira, um dos grevistas, tem a cabeça
magoada com os solavancos do veículo. Começam a ter quase a cer-
tezadodestino final da caravana:aprisãodeCaxias.As nuvens depoei-
ra e o sacolejar constante do transporte começama ser umverdadeiro
martírio. Às 21 horas chegam, finalmente, ao destino.
Para surpresa de quase todos dada a fama de ordem, asseio e disci-
plinadequegozaa instituiçãomilitar deparam-se com instalações imun-
das e mal iluminadas. O oficial de serviço identifica-os e acaba por
confessar que sópoucoantes tinha sido informadoque iria receber pre-
sos dos Correios. Como o apetite é cada vez maior os que tinham far-
néis consigo partilham-nos comos companheiros.Como têmum impe-
dido às ordensmandam-no comprar pão e queijo que acompanhados
de água constituem a sua ceia do primeiro dia de greve.
A dormida, porque a chegada ao quartel não tinha sido devidamen-
te preparada,faz-se nas piores condições,emcadeiras ou por cima de
mesas.Quemaceita ir paraas casamatas irá encontrar tarimbas imun-
das dispostas ao longo de um grande corredor, com seteiras abertas
sem protecção de vidros, por onde penetram o frio e a humidade vin-
dos do rio.
O cheiro insuportável dos esgotos eapresençade ratos aindaagoniam
mais,depois daquelanoitemal dormida.As instalações revelam-se cada
vezmais lúgubres a cada exercício de observação.Abundam inscrições
minação no propósito de defender os colegas presos e os objectivos
da greve.
Entretanto corre a informação que os funcionários presos foram
conduzidos no batelão
Trafaria
ao navio
LourençoMarques
,
fundeado
a meio do rio Tejo. Muitos seguem, entretanto, voluntariamente, o
mesmo caminho.
Na Administração todos comparecem mas recusam trabalhar ade-
rindo, assim, às directivas do comité de greve. Promovem-se peque-
nas reuniões informais procurando convencer alguns mais recalci-
trantes. É elaborado um documento em que se declara a solidarie-
dade com todos os companheiros por todo o País. Assinam 83 fun-
cionários. Mandam-se mensagens aos colegas presos com essa
declaração o que provoca o maior regozijo entre eles. O major Ducla
Soares faz um apelo, sem sucesso, ao pessoal com o qual se reúne
pelas 16 horas.
Chega uma força da Guarda Republicana, armada com baionetas
caladas e que fica a guardar o pátio do edifício da Administração.
Muitos mandam prevenir as respectivas famílias da hipótese cada
vez mais provável da sua prisão eminente.
Também se dão alguns casos de desistência de última hora que são
deixados seguir para suas casas pela autoridade militar ou aconse-
lhados pelos colegas insurrectos devido ao seu débil estado de
saúde. São presos 63 dos 84 funcionários da Administração-Geral.
Entretanto o aparato militar aumenta com a chegada da cavalaria
da GNR e o povo começa a juntar-se em frente da entrada do edifí-
cio. Surgem os primeiros camiões que ocupam a Rua de S. José. É
dada a voz de prisão por insurreição e os colegas formam dois a dois
subindo para o transporte de carga, sem assentos. Em cada camião
toma lugar umoficial ao lado domotorista. Seguem seis veículos com
os presos,acompanhados por dois outros comas forças militares. Nas
paragens do percurso conseguemadquirir jornais da tarde embusca
Acervo iconográfico da FPC.