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muitos anos é contado sempre no número dos melhores, daqueles a
quemmais quero. Aminha entrada no ilustre grémio foi uma surpre-
sa - mesmo para mim que a não esperava-!» (…) «Tenho tido mui-
tas cartas de Paris, os meus camaradas e amigos entusiasmados, o
que me dá imenso gosto. Que contraste, meu amigo! D'aqui poucos
artistas me escreveram,dos colegas da Escola só tive uma carta e dos
meus numerosos discípulos, duas ou três. Não é porque eu goste de
homenagens, mas o caso é para se registar, não lhe parece?»
(4/2/1926).
Silva Rocha enviara ao«insigne estatuário»uma carta de felicitações
«
pela mais alta distinção concedida em França», que este reprodu-
ziu nas suas
Memórias
,
bem como a resposta do amigo à sua decep-
çãoperantea indiferençade colegas e discípulos aesteacontecimento.
Nesta carta, Silva Rocha reconhece o virtuosismo do que considera o
«
maior artista português,pelo talento e pela técnica,ume outra inex-
cedíveis», e atribui ao ciúme o inusitado silêncio que envolveu a
homenagem, o que lhe sugere a evocação de uma fábula de La Fon-
taine: «Le Crapaud et le Ver Luisant»
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.
Uma constante nas cartas é a afirmação da paixão sem tréguas pelo
trabalho: «Estive com o Luís de Magalhães na sua partida para Lis-
boa,falando-me de si e do seudesejo que omeuamigo lhemanifestou
de vir aqui. Assim seja porque tenho sempre o maior gosto em o ver
e abraçar. Estou emumperíodo de grande actividade, forçado a tra-
balhar de sol a sol cercado de não sei quantos trabalhos no barro e
nomármore,jádemasiado fatigantes paraumrapaz que vai completar
emOutubro 60 primaveras. Como o tempo voa! Por isso eu faço omais
possível para não o desperdiçar a fim de completar muitas coisas
começadas e realizar outras sonhadas.» (20 deMarço de 1926).O tra-
balho é também um modo de aliviar o sofrimento:«Cá vou indo de
saúde e trabalhandoomais possível,porqueassim,possomelhor esba-
Numa carta de 2 deOutubro de 1925,vemos desfilar a plêiade dos ami-
gos comuns:«Emque ficou a homenagemao HomemCristo? Se esti-
ver com ele peço-lhe que me faça lembrado (...) Que é feito do nosso
Jayme das alvas barbas de profeta? Quem me dera abraçá-lo, abra-
ce-o por mim com afecto. O Luís de Magalhães vem amanhã e prova-
velmente vejo-o na gare de S. Bento. Tenho saudades dessa linda
terra, mas quando poderei ir lá com tantas ocupações? Vou lá em
pensamento ver os amigos queridos que lá tenho e espero ter sem-
pre,umdos quais você sabe quemé:artista de talento,almamais fina
que o fino oiro!»
As cartas de Teixeira Lopes a Silva Rocha são um documento único e
fundamental para o entendimento da amizade entre ambos e da per-
sonalidade humana e artística do se autor, um melancólico cons-
ciente da brevidade e das ilusões da vida, um solitário com senti-
mentos profundos e intensos,carente de umamor e de umafecto que
parecem ter sido inteiramente absorvidos pela paixão da sua obra.
Um romântico, amante da natureza, onde a sua alma parecia apa-
ziguar a sede de paz e de beleza. Cheio de uma tristeza que o suces-
so não pôde aliviar e que era talvez emparte consequência da ânsia
de perfeição que a sua escultura revela. Uma tristeza acompanha-
da das naturais angústias de criador, que estas cartas excepcional-
mente documentam, informando-nos ao mesmo tempo sobre mar-
cos importantes do percurso do artista, como a sua entrada para o
Instituto de França (Academia de Belas-Artes, Secção de Escultura)
a 23 de Janeiro de 1926. Teixeira Lopes lamenta, na circunstância, a
mesquinhez domeio nacional,um lamento que se repete nas suas car-
tas:«Que lindo bilheteme escreveu, tantas e belas coisas me diz em
tão pequeno espaço! Nem a imortalidade oficial do Instituto me dá
mais gosto íntimo que o que eu tenho experimentado com as mani-
festações sinceras d’alguns amigos, e, o meu bom Silva Rocha há
Carta de Teixeira Lopes a Silva de Rocha, Novembro, 1904.