Página 73 - Códice nº4, ano 2007

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ma simbiose com o estilo «casa portuguesa» e que era um dos mais
originais e emblemáticos edifícios da cidade,perdas irreparáveis para
o nosso património.Muitas das casas que projectou,emgrande parte
já classificadas, carecem de restauro urgente. O estudo da sua obra
e a recuperação destes edifícios devem contribuir para que se devol-
va ao nosso tempo em toda a sua mágica beleza a mais coerente e
bela expressão da arte nova em Portugal. Pode ainda reviver e reflo-
rir a eterna primavera anunciada nas formas e nas cores da obra
magistral e poética de Francisco Augusto da Silva Rocha.
As cartas de Teixeira Lopes a Silva Rocha
Retrato de uma amizade
«
Teixeira Lopes (...) tende para a mais completa expressão pela redu-
ção à máxima simplicidade; tende portanto para o definitivo na tra-
dução do pensamento e do sentimento.»
António Arroio - Soares dos Reis e Teixeira Lopes.
«
As nossas almas compreendem-se, são almas antigas (...)».
Carta de Teixeira Lopes a Silva Rocha.
Na correspondência,até à data inédita,de Silva Rocha,o testemunho
dos seus contemporâneos mais ilustres dá-nos amedida do valor que
lhe reconheciam.Escreveuda suamagníficaquintade Eixo (que talvez
lhe tenha inspiradoo livro
Apóstolos daTerra
)
ogrande Jaime deMaga-
lhães Lima (1859-1936), amigo de Tolstoi e divulgador entre nós das
ideias de Ruskin (a 4/12/1928): «Querido amigo: V. é sempre o mesmo
homem; a sua dedicação e a sua generosidade não envelhecem, têm
a robustezdas coisas eternas eeu,ao receber-lhes os carinhos,com infi-
nita gratidão os sinto. Para esta é curta a distância que nos separa; o
coração instantâneamente a vence e estreitamente nos aproxima.»
Ernesto Korrodi (1870-1944) dedica a 30 de Setembro de 1924 o seu
livro Alcobaça com«o penhor de imorredoura amizade»ao seu «ilus-
trecolegaevelhoamigoFranciscodaSilvaRocha». De realçar nestecon-
texto, é também a correspondência trocada com o químico e investi-
gador francês Charles Lepierre (1867-1945), entre 1932 e 1942. Charles
Lepierre veio para Portugal em 1908 para se integrar na Escola Politéc-
nica e no Instituto Industrial de Lisboa e mais tarde (1911) no Instituto
SuperiorTécnico.Comoquímicoanalistadegrande craveiraque era,foi
consultado pelas mais diversas indústrias, a cujas solicitações sempre
correspondia com absoluta competência e rigor. Entre os diferentes
inquéritos que realizou (sobre cerâmica, óleos vegetais, animais mari-
nhos e as águas do país), conta-se aquele que promoveu sobre o sal,
tendoparaoefeito trocadominuciosacorrespondênciacomSilvaRocha
que eraentão (em1932) Director da Escola Industrial deAveiro,aquem
agradece «a valiosa colaboração» e «os valiosos conselhos.»
As cartas de Teixeira Lopes a Silva Rocha constituem o conjunto mais
numeroso e também mais valioso da sua correspondência, a mais
antigaenviadadeGaiaemNovembrode 1904 eaúltimade 24de Julho
de 1938. Ao correr dos anos, as dores e as sentidas alegrias do escul-
tor revelamumaalma sensível e umaamizade tão perene comoas for-
mas da suaarte intemporal.Asuaescritadevolve-nos algumas das figu-
ras marcantes da arte do seu tempo. Na carta de Novembro de 1904,
Teixeira Lopes agradece a Silva Rocha «a quantia que arranjou para
o monumento a Soares dos Reis». E acrescenta: «É mais uma alta
prova do que vale o seu generoso coração. Está quase tudo liquidado
enós resolvemos quealguma coisade sobra sedesseaos filhos dogran-
de artista que vivememdificuldades - para não dizer namiséria.O Sal-
gado mandou um quadro para vender e o seu produto será aplicado
nomesmo fimcaritativo.Por issoo seudinheiroéabençoadoduas vezes
e eu lho agradeço também duas mil vezes! (...)».
Projecto do Hospital da Misericórdia de Aveiro, 1900.