Página 73 - Códice nº3, ano 2006

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E na mudez idílica, inefável,
Da paisagem suspensa e comovida,
Religiosa, eterna, admirável,
-
Abre-se a flor da verdadeira Vida!...
(…)
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Da dor, à alegria da mais pura e inten-
sa emoção, da realidade ao sonho, da
ausência e da saudade à radiosa pre-
sença emcomunhão coma natureza,o
milagre de um sentimento, flor da ver-
dadeiraVida que parecia esquecida vol-
tou a cintilar com o fulgor de uma apa-
rição capaz de conferir um sentido à
existência.Peregrinos do amor X e Blan-
che sabem que o seu périplo não tem
fim,a suamissão é restituir o tempo ao
tempo,numa espiral infinita,desenha-
da microscopicamente numa das car-
tas.O segredo não se esgotou. Aqueles
fragmentos, farrapos de escritas são o
fluxo eterno onde navega o coração da
humanidade. X cruzou-se com Blanche
num dos locais onde costumavam pro-
curar as cartas de amor. Ficaram frente
a frente, ambos desejavam o mesmo
postal e de repente sorriram. X tinha debaixo do braço o livro de car-
tas de amor de Fernando Pessoa e Blanche,transportavao volume das
cartas de Ofélia. Olharam o cobiçado postal. Era um abraço volup-
tuosomas deumagrandebeleza,sobre
um círculo perfeito. Esse abraço pare-
cia anunciar alguma coisa. Olharam-
-
se e sorriram. Ambos esqueceram o
postal e ficaram suspensos daquele
momento mágico. X falou primeiro e
na sua voz havia o estranho som de
campainhas ao longe. Blanche res-
pondeu comumsorriso.Tinhamperce-
bido que as palavras estavam a mais.
Olharam-se,o olhar era o de duas pes-
soas que se vêem e de súbito esten-
deram as mãos num gesto instintivo,
como se fossem tocar-se. Não ousa-
ram.Mas saíram juntos na tarde outo-
nal,uma tarde luminosa e quente.Ofé-
lia e Fernando Pessoa passearam com
eles juntoao rioque se tornounessedia
mais azul,embriagado de ouro e final-
mente vivo.Esse final de sonho erapos-
sível.No entanto o que aconteceu real-
mente foi que X e Blanche depois de se
reconhecerem na alma um do outro,
voltaram a perder-se na cidade imen-
sa e hoje para além de procurarem as
cartas de amor de desconhecidos que
lhes devolvem um sentimento perdi-
do, se procuram, infinitamente, infinitamente... Na varanda de X,
porém, entre os cravos vermelhos e o azul aceso do rio, o tomilho
começara a florescer.