Página 70 - Códice nº3, ano 2006

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X meditou na beleza
daquela atmosfera
marinha que parecia
tão propícia ao amor
e aventurou-se em
todas as colinas da
cidade onde uma mancha azul alargava o olhar e libertava a alma.
Raul
e
Isabel
,
vieram ao seu encontro numa tarde de luz velada,
levando um amor sofrido e intenso nas asas da poesia: «Quando
escuto da sombra os echos rumorosos/ e em rodamais emais a tene-
bra se estende,dentro emmimde súbito uma luz se incende,fulge em
meu coraçãouns raios luminosos./ É n'essaquietaçãodanatureza intei-
ra/ que eu te vejo surgir na minha fantasia-/ visão que desaparece
ao despontar do dia/ e se acolhe em meu peito, eterna companhei-
ra! Vosso eterno servo Raul» (20/12/1925).
Isabel num clima de intenso drama:«Querido Raul: Como a saudade
me invade! como se fosse uma fera que lança as suas garras e lenta-
mente vai rasgando todas as fibras domeupobre coração.Mas de súbi-
to surge uma luzinha; é a esperança, bálsamo que cicatriza. E pode-
rei eu alimentá-la? Se fosse verdade tudo o que me tens feito sentir,
não só no que escreves, mas também no que me tens dito, decerto
que posso. Reabilita-te Raul; não desanimes; verás que só assim
encontrarás a estrada da felicidade e o nosso amor há-de triunfar.
Adeus, envio-te um ardente beijo d'amor e de saudade. Isabel»
(28/8/1926).
«
Minha Isabel: Numa prece em que vai todo o sentimento da minha
alma eu elevo até vós o meu amor. O pensamento saudoso de te
desejar um Natal feliz no seio carinhoso dos teus. Só o meu coração
se cobre de tristeza por não compartilhar ao teu lado as alegres horas
que passam.Mas esse dia virá mais feliz do que o de hoje, na realiza-
vejo que sem ti não
posso viver. Acredita
que no teu amor está
a minha vida e logo
que tenha a certeza
de que não sou ama-
da por ti,acabarei lentamente comaminha existência.Temdó e acre-
dita sempre na tua Carolina (29/9/1922).
Sem poder deslindar o segredo daquele amor o Sr. X deixou o espíri-
to vaguear na doçura das ondas que inspirara as doces palavras de
José
a
Lúcia
: «
Talvez que por estes mares fora, embalado pela ara-
gem da solidão, eu fosse mais feliz,mas não! Só junto a ti e pensan-
do em ti, a ventura me sorri castamente como os teus lábios finos
sabemsorrir.» (2/4/1919) «Sonho»:«De neve é feita a nossa vida;/de
neve, d'ilusões e d'amor! /Mas quando numa hora d'ardor /Cai sobre
nós a ventura qu'rida, /A neve desfaz-se lentamente, /À luz d'um
lindo sol d'Abril /E o nosso viver tão juvenil /Evola-se em amor leda-
mente. /E voltando a casa perfumado /Pela luz do luar e pela aragem
/
Sinto que o teu olhar adorado /É um sol d'amor e d'ilusão /Semneve,
que traz a tua imagem /Ungida a meu terno coração.» (15/4/1919)
Aquele esplendoroso horizonte convidava ao sonho e à leitura de
um conto incompleto; faltavam pedaços àquelas outras cartas que
tinham como título sugestivo: «Aguarela Azul. Impressões da Casa
dos Azulejos à beira-mar. 3 semana dum noivado, ano feliz, descri-
ção da noite de bodas de umas «núpcias de asas e silêncio» Uma
«
orquestrina azulada desde as manchas largas domar até às estrias
brandas do ar - tons de azuis neutros,escurecidos,e uma buliçosa pro-
fusão de lantejoulas nas águas, em apoteose, espelhando a lua!
Sob a magia de um belíssimo luar de Janeiro, os suspiros daquele
amor primeiro...»