Página 35 - Códice nº1, ano 2004

35
mordial de Hermópolis que o mito afirmava ter sido posto pela ave
conhecida pelo nome de Grande Grasnadora. Outro curto texto do
mesmo sarcófagomostrauma versãomuitoabreviadado capítulo 125,
porventura o mais famoso e significativo do conjunto do «Livro dos
Mortos».
Várias estatuetas funerárias de acervos portugueses exibem ver-
sões do capítulo 6, podendo nelas ser detectados exemplos emesta-
tuetas de madeira, bronze e faiança. Esses típicos objectos indis-
pensáveis dos espólios funerários são conhecidos pela designação
de
chauabtis
ou
uchebtis
.
A colecção egípcia da Casa Municipal de
Cultura de Vila Nova de Gaia (Solar Condes de Resende) possui uma
bela estatueta funerária de madeira da XVIII dinastia, onde o texto
aparece numa forma desenvolvida:«Que brilhe o guardião da porta
da necrópole de Mênfis, Minemai. Diz ele: Ó chauabti, se fores cha-
mado para fazer qualquer dos trabalhos que se fazem na terra
sagrada (no Além), se te for imposta uma tarefa como a um homem
nas suas funções, tu farás o trabalho diário que consiste em plan-
tar os campos, encher os canais de água e transportar terra (estru-
me) de oriente para ocidente. Nota, tu dirás: Aqui estou, eu o farei!».
São praticamente semelhantes os textos presentes numa estatue-
ta de bronze feita para o alto funcionário Hesmeref, exibido na colec-
ção egípcia doMuseu Calouste Gulbenkian,numexemplar demadei-
ra feito para a dama Hunurai, do núcleo egípcio da colecção Fer-
nando Freitas Simões, ou num belo exemplar de faiança feito para
Djedhor, da colecção egípcia do Museu Nacional de Soares dos Reis,
e ainda numa estatueta de pedra pertencente a Hui, que foi pre-
parador de unguentos do deus Amon, patente noMuseu da Farmá-
cia. Algumas versões mais curtas do capítulo 6 podem ler-se emesta-
tuetas da Sociedade de Geografia de Lisboa e doMuseu Nacional de
Arqueologia.
Quanto ao capítulo 30, gravado na base de escaravelhos do cora-
ção (que na fase de embalsamamento do corpo se colocavam sobre
o coração), ele prova que o próprio morto tinha medo que o cora-
ção estragasse tudo durante o momento dramático que era a ses-
são do julgamento no tribunal de Osíris. Nessa decisiva altura o cora-
ção era colocado num dos pratos de uma balança, elemento típi-
co do equilíbrio, sendo que para o outro prato os egípcios não
encontraram nada mais leve, mais volátil, do que uma pena, a
pena da deusa Maet, que é o símbolo da leveza por excelência. O
coração tinha que estar mais leve que a pena, não podia ter peca-
dos nem estar conspurcado, porque corria o risco de ser devorado
por um inquietante e sedentomonstro chamado Ammut, que se pos-
tava perto da balança.
Uma versão do capítulo 30B pode ser apreciada na base de um esca-
ravelho do coração feito de basalto pertencente à colecção Sam
Levy: «Ó meu coração de minha mãe, ó meu coração de minha
mãe! Ómeu coração do meu ser! Não te ergas contra mim como tes-
temunha, não te oponhas a mim no tribunal, não mostres hosti-
lidade contra mim perante o guardião da balança! Tu és o ka que
está no meu corpo, tu és Khnum que robustece os meus mem-
bros.» Um exemplar pertencente à colecção egípcia do Museu
Nacional Soares dos Reis, provisoriamente cedido ao Museu Român-
tico do Porto (Quinta da Macieirinha), apresenta uma versão idên-
tica embora seja mais completo ao acrescentar o voto: «Vai para
o belo lugar que nos está preparado lá (no Além), perante Uen-
nefer.» Merece também justificado destaque a versão do capítu-
lo 30 que está gravada na base de um escaravelho do coração
pertencente à colecção egípcia do Museu da Farmácia, um exce-
lente acervo que ainda está em vias de constituição e em fase de
estudo.
ALLEN, Thomas G.,
The Book of the Dead or Going Forth by Day
,
Chicago, The Oriental
Institute of the University of Chicago, 1974
ARAÚJO, Luís Manuel de,
Antiguidades Egípcias
,
Lisboa, Museu Nacional de Arqueologia,
Instituto Português de Museus, 1993
ARAÚJO, Luís Manuel de, «Textos funerários do antigo Egipto», em
Turres Veteras, VI,
História da Morte
,
Torres Vedras, Câmara Municipal de Torres Vedras, Instituto de Estu-
dos Regionais e do Municipalismo Alexandre Herculano, 2004, pp. 47-55
ASSMANN, Jan, «Totenkult, Totenglauben», em Wolfgang Helck e Wolfhart Westendorf (ed.),
Lexikon der Ägyptologie
,
VI, Wiesbaden, Otto Harrassowitz, 1986, cols. 659-676
ASSMANN, Jan, «Death and initiation in the funerary religion of ancient Egypt», em
Religion and Philosophy in Ancient Egypt
,
Yale Egyptological Studies, 3, New Haven,
Yale University Press, 1989, pp. 135-159
BARGUET, Paul,
Le livre des morts des anciens égyptiens
,
LAPO, 1, Paris, Les Éditions du
Cerf, 1968
CENIVAL, Jean Louis de,
Le livre pour sortir le jour: le livre des morts des anciens égyptiens
,
Bordéus/Paris, Musée d’Aquitaine, Réunion des Musées Nationaux, 1992
FAULKNER, Raymond,
The Ancient Egyptian Book of the Dead
,
Londres, British Museum
Publications, 1985
HORNUNG, Erik,
Conceptions of God in Ancient Egypt. The One and the Many
,
Londres/Melbourne, Routledge & Kegan Paul, 1983
HORNUNG, Erik,
The Ancient Egyptian Books of the Afterlife
,
Ithaca, Cornell University,
1999
SALEH, Mohammed,
Das Totenbuch in den Thebanischen Beamtengräbern des Neuen
Reiches. Texte und Vignetten
,
Mainz am Rhein, Philipp von Zabern, 1984
SPENCER, Alan J.,
Death in Ancient Egypt
,
Harmondsworth, Penguin Books, 1982
TAYLOR, John,
Death and the Afterlife in Ancient Egypt
,
Chicago, Chicago University Press,
2001
WASSERMANN, James (ed.),
The Egyptian Book of the Dead. The Book of Going Forth by
Day
,
Cairo, The American University in Cairo Press, 1998
YOYOTTE, Jean, «Livre des Morts», em Georges Posener (dir.),
Dictionnaire de la Civi-
lisation Égyptienne
,
Paris, Fernand Hazan, 1970, pp. 153-154
B I B L I O G R A F I A