A melhor carta 2024, de Inês Santos Alves

Carta manuscrita, Inês Santos Alves.

Terra no Limiar da Esperança, 16 de março de 2050

Querida filha,
Escrevo-te esta carta porque tenho curiosidade de saber como tens
desfrutado da herança que te deixei, porque neste novo mundo onde vivo só nos aceitam pelo bem que fizemos e não pelo que temos. A minha viagem de chegada
ainda não tem data definida. Gostava de estar contigo, mas parti para estar nesta importantíssima Terra no Limiar da Esperança porque o melhor ainda está para
vir.

Espero que tudo esteja a decorrer como planeamos em 2024, na altura em que te levava aos parques naturais dessa maravilhosa terra, ria-me e brincava
contigo.

Como já deves ter reparado, antes de sair não te deixei de mãos vazias. Enquanto dormias coloquei, na tua mesinha de cabeceira, uma pista que deverias
seguir para que a minha ausência não seja dura para ti. É como uma caça ao tesouro, mas muito mais importante, porque os passos que deres serão a tua
verdadeira paz. Como és inteligente e suficientemente perspicaz, considero que já desvendaste o mistério em que estou e o bem que desejo para ti.

Vou explicar-te para que serve o que te deixei. O misterioso papel e caneta são o MEU DIÁRIO, com exatamente DOZE PALAVRAS que servem para poderes comunicar comigo todo o ano. A primeira é SAUDADE e escreves tudo o que me quiseres dizer nesse papel, MAS ATENÇÃO! Tem de ser com essa caneta mágica. Depois colocas um pequeno coração, pintado de vermelho, para eu sentir o pulsar dos nossos corações, eu sentir-te e tu sentires o meu colo a dar-te vida. A segunda palavra que deves proclamar em voz alta, quantas vezes quiseres, é CONFIANÇA. Acredita e confia que eu, a tua mãe, estou num mundo
paralelo ao teu e te quero dar segurança. Se reparares, esta página do diário está incompleta porque eu tenho aqui comigo a outra metade, de tinta invisível, para
também poder falar contigo. Quero também perguntar-te se os habitantes do teu país estão contentes com as decisões que tomaram após a minha ausência. Tenho quase a certeza de que todos querem ver um mundo diferente. Tenho um pressentimento que a minha pequena princesinha também já arranjou alguém que a fizesse feliz para toda a vida…estou certa? Quero que saibas que também deixei na mesinha um objeto muito simples, para dar-te proteção quando não estiver contigo.

Não tenhas problema em derramar algumas lágrimas, porque és humana e sensível.

Agora vamos ao principal assunto pelo qual te escrevi esta carta (além das muitas saudades), a palavra que mais te quero dizer é TOLERÂNCIA. Ouvi aqui
onde estou, um grito vindo de longe que me incomodou e lembrei-me das guerras que aconteceram aí, em que houve uma invasão e todos os habitantes precisaram de lutar contra os invasores. Crianças a morrer e outras a morrer de fome. Mísseis e desalento…Por favor, se me amas, não sejas rigorosa, mas tolerante, não reprimas ninguém, mas dialoga.

Aproveito para dizer-te aqui tudo o que me vai na alma. Tenho muito orgulho em ti e tenho a certeza, que esse país ficará em boas mãos se todos colaborarem, porque a palavra que mais desejo é PARTILHA. Lembro-me que um dia chegaste da escola e me disseste que querias partilhar os teus brinquedos, as tuas roupas e os teus livros com meninos refugiados, tristes, porque tinham deixado os seus países. Eu chorei de alegria e nas páginas desse diário caíram lágrimas que nunca mais secaram no papel. Já reparaste como estão molhadas?
Gostava de te ver herdar um mundo diferente daquele que eu deixei. Não tive muito tempo para fazer as alterações suficientes, mas tenho a certeza de que
tu conseguirás fazer tudo o que eu não tive tempo de executar. Ainda assim espero ver-te a viver num mundo diferente onde as palavras HARMONIA, PAZ e
RESPEITO prevaleçam, onde as crianças vivam sem medo das fronteiras do mundo. Já reparaste no colorido mágico das páginas do meu diário? Vá lá! Folheia
mais e mais…
Lembra-te, minha filha, que só se vive uma vez e devemos sempre viver cada dia como se esse fosse o último. Gostava que construísses um mundo onde
a guerra não existisse, onde a FRATERNIDADE e a CARIDADE fossem duas palavras substitutas dos termos “guerra” e “morte”.

É tudo, minha princesinha!

Se te recordas, eu disse que o meu diário tinha doze palavras mágicas. Mas eu sei que as outras descobrirás sozinha. Quem quer ser FELIZ tem que lutar
contra o PRECONCEITO, como sempre te disse, e o AMOR é a grande arma do bem.

Não te esqueças que estaremos sempre juntas. Estarás sempre no meu coração, filhinha! Gosto muito de ti.
A tua mãe que te adora,
Naomi