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Em relação à Rádio Renascença foi escolhida, em pri-
meira instância, a canção/senha «Venham Mais Cin-
co», de Zeca Afonso, que acabou por ser preterida em
favor de «Grândola Vila Morena» devido à primeira
canção estar previamente conotada com a censura
interna da Renascença.
No dia 24 de abril, e para evitar qualquer falha, foi ad-
quirido como reserva o disco que contém a canção
«Grândola Vila Morena». Ainda neste dia foi garantida
a aprovação do alinhamento do programa da Rádio
Renascença, incluindo a transmissão de «Grândola
Vila Morena». Esta seria a canção/senha definitiva-
mente acordada para ser emitida. Passavam poucos
minutos das zero horas do dia 25 de abril quando a
canção/senha foi difundida pelo espetro radioelétrico.
Não bastava o controlo e colaboração do Rádio Clu-
be e Rádio Renascença, haveria que ocupar e neu-
tralizar rapidamente os outros órgãos de radiodifusão
para não cairem no controlo das autoridades estabe-
lecidas. Nas horas seguintes foi ocupada a Emissora
Nacional e controlada a central telefónica e de rádio
do Batalhão de Caçadores 5 ( junto à Rua Marquês de
Fronteira, Lisboa).
Em Viseu, o Regimento de Infantaria 14 controlou as
comunicações telefónicas e de rádio da unidade mili-
tar, bem como o Serviço de Telecomunicações Mili-
tares. A Escola Prática de Administração Militar (na
Alameda das Linhas de Torres, Lisboa) tomou conta
da RTP, então com sede e emissões no Lumiar.
Seguiu-se a segurança do edifício e estação do Rá-
dio Clube Português (Rua Sampaio Pina) e o controlo
da Emissora Nacional (Rua do Quelhas). Entretanto
foram garantidos outros apoios de telecomunicações
no Porto e noutras localidades. A meio da manhã foi
transmitido o primeiro comunicado do Movimento
das Forças Armadas pelos Emissores Associados/
Rádio Clube Português. Não tardou, seguiram-se ou-
tros comunicados radiofónicos, bem como comuni-
cações telefónicas para advertir as forças militares e
para-militares no sentido de não usarem a força.
Entre outros comunicados salientamos o de Salguei-
ro Maia, pela rádio, na manhã de 25 de abril. «Aqui
maior de Charlie Oito. Informo que ocupamos Toledo
(área do Terreiro do Paço/Ministérios) e controlamos
Bruxelas (zona da baixa pombalina e Banco de Por-
tugal) e Viena (a sede e estação da Companhia Portu-
guesa Rádio Marconi na Rua de São Julião)».
Da informação consultada concluímos que sem o
apoio das telecomunicações não teria certamente ha-
vido a vitória da Revolução de Abril. Além da vitória,
a revolução dos cravos (praticamente sem sangue) só
foi possível graças à rápida coordenação e informa-
ção das populações, forças militares e militarizadas
através das telecomunicações.
As telecomunicações que
determinaram a vitória da
Revolução de Abril
Garantir meios e retirar, ao mesmo tempo, a capaci-
dade de comunicação às forças leais ao Estado Novo,
foram estratégias utilizadas pelo Movimento das For-
ças Armadas nas primeiras horas que precederam a
instauração do novo regime. A garantia das tecnolo-
gias de telecomunicações aos participantes no golpe
revolucionário e a privação das mesmas tecnologias
às forças do Estado Novo, foi a «arma» por excelência
usada no derrube do regime do Estado Novo.
Nesta linha de interpretação, junto apresentamos al-
gumas das primeiras comunicações, bem como uma
lista das estações e postos de telecomunicações con-
trolados desde as primeiras horas, demonstrando o
poder destas tecnologias e destes
media
.
Em 22 de abril de 1974 Otelo Saraiva de Carvalho e
João Paulo Dinis, locutor do Rádio Clube Português/
Emissores Associados de Lisboa encontram-se para
acertar o modo e o conteúdo da emissão que desen-
cadearia o começo de ações militares. A emissão de
uma canção/senha, segundo códigos pré-programa-
dos com as forças envolvidas daria início às opera-
ções.
A canção escolhida para ser difundida pelo Rádio
Clube Português seria «E Depois do Adeus», de Pau-
lo de Carvalho. Porém, depressa os organizadores se
aperceberam que o Rádio Clube não dava garantias
suficientes de chegar a todos os locais estratégicos,
uma vez que o sinal emitido pela estação não era
suficientemente abrangente e audível por todas as
forças pré-alinhadas na revolução. Nesta sequência
foi contactado outro locutor, desta feita da Rádio Re-
nascença pelo motivo do sinal desta estação ser mais
potente, permitindo ser melhor escutado.
Também foram contactados outros técnicos e res-
ponsáveis de postos de comunicações, tais como o
responsável pela Escola Prática de Transmissões da
Graça. A este posto da Graça foram incumbidas as
missões de escutas das redes de comunicações da
GNR, PSP, Legião Portuguesa, Direção-geral de Se-
gurança, bem como as escutas dos telefones dos mi-
nistros do Exército e da Defesa e também do telefone
do chefe de Estado-Maior do Exército.
No dia 23 de abril foi garantida uma linha telefóni-
ca para a qual tiveram de instalar rápida, expressa e
clandestinamente o equipamento para ligar a central
de escuta da Graça ao Regimento de Engenharia 1
da Pontinha, regimento este escolhido para posto de
comando do golpe revolucionário.
Da Revolução de Abril à Democracia