Página 44 - Códice nº6, ano 2009

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cuos e comuma vidamuito breve,derrubados por arrevesados golpes
políticos ou mesmo pela violência. Como imagem expressiva de des-
regramento é adrede evocada a revolta que eclodiu em 19 de Outu-
bro de 1921, durante a qual foram sumariamente assassinados des-
tacados republicanos comoMachado Santos,Carlos daMaia e Antó-
nio Granjo.
CarlosMalheiroDias,ummonárquico que chegaraanutrir alguma sim-
patia expectante pela República, acabara também ele por se desilu-
dir como muitos outros, acreditando «mais num suicídio da Monar-
quia e não numa vitória da República».Para ele,«os republicanos não
haviam feito mais do que aproveitar a oportunidade que a elite
monárquica decadente e corrupta lhes concedera no decurso de uma
administração desastrosa recheada de inúmeros escândalos»
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.
Afinal, como dizia João Chagas em 1906, entre monárquicos e repu-
blicanos não havia diferença de crenças, mas sim diferença de posi-
ções: «Republicanos somos nós todos, mesmo os monárquicos. Se
estes aceitamamonarquia,é porque amonarquia existe,nadamais.»
E conclui Rui Ramos:«Chagas estava a dizer algo que é essencial para
se perceber o 5 de Outubro: é que o republicanismo, naquele sentido
a que Antero de Quental chamava“ideal”, era partilhado pelamaio-
ria da elite política da monarquia constitucional portuguesa.»
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Assim, e vista a revolução republicana pelo prisma das comunicabili-
dades emotivas, fica na memória a nefelibática proclamação de
Machado Santos, o improvisado comandante das forças estaciona-
das na Rotunda:
«
Cidadãos:Um facto notável se acaba de dar que ficará gravado em
letras de oiro na história da nossa querida pátria. A República, devi-
do aos esforços dos bravos que acamparam na Rotunda, dos valen-
tesmarinheiros e da nobre e valorosa população civil da cidade de Lis-
boa, foi hoje proclamada! Já não há inimigos! Só irmãos!»
implantação do regime republicano,João Chagas,no seu jornal
Repú-
blica Portuguesa
incitava à revolta contra a Monarquia, tendo inte-
grado o movimento de contestação que viria a redundar na fracas-
sada tentativa de golpe militar em 31 de Janeiro de 1891 no Porto.
Da euforia à desilusão
Ainda sob a euforia da vitória republicana, a Constituição de 1911,
impondo o sistema parlamentar e uma profunda laicização do regi-
me, consagraria as liberdades individuais, incluindo o direito ao asso-
ciativismo, tendo sido promulgadas, entre outras de pendor pro-
gressista, leis relativas ao direito à greve e ao divórcio
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Só que, como
bem fez notar Fernando Catroga, o «país real», analfabeto e rural,
não se mostrou muito interessado e receptivo a algumas das pro-
postas mais radicais de um «vanguardismo utópico» e excessivo,
nomeadamente nas delicadas questões de ordem religiosa, que
apressadamente foram tomadas:«em cerca de cincomeses a jovem
Repúblicadecretoumedidas que,emFrança,precisaramde vintee cinco
anos para serem aprovadas»
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.
OPartidoRepublicano,minadopor rivalidades político-partidárias,divi-
diu-se depois em três grupos, que se foram digladiando entre si na
desordem parlamentar que se instituiu: da cisão resultaram o Parti-
do Democrático,que era chefiado por Afonso Costa e se reclamava da
herança directa do republicanismo, o Partido Evolucionista, liderado
por António José de Almeida, e o Partido Unionista sob a liderança de
Brito Camacho
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.
O novo regime republicano foi sendo corroído por uma incontrolável
e quase permanente instabilidade política e social, commuitos con-
frontos de timbre político-religioso e conflitos laborais, tanto nos
meios urbanos como nos meios rurais, sobretudo no Alentejo
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O resultado foi a queda de sucessivos governos, muitos deles inó-
António José de Almeida, falando aos soldados no Parlamento.