Página 39 - Códice nº6, ano 2009

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O escritor monárquico Joaquim Leitão confessa até que ponto a
Monarquia se tornaraantipáticaeodiosaàs camadas populares e resu-
me bem a situação: «Enquanto os regimentos fiéis e as autoridades
constituídas perdiamo contacto como inimigo a revolução tinha uma
legião de correios e vedetas ao seu serviço»
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Mas a indiferença não tocou apenas os militares monárquicos, pois
senosmeios urbanos aRepública tinhamuitos adeptos,jánaprovíncia,
onde reinava o caciquismo local, o receio ou o desinteresse coarctou
de início possíveis adesões. Como se previra, a República chegaria aí
pelo telégrafo. Lembra Rui Ramos que «o projecto republicano visa-
va a transformação da sociedade portuguesa numa comunidade de
cidadãos autónomos, integrados numa nova cultura, igualitária e
racionalista,e assimpreparados para se governarema si próprios»
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,
mas estes nobres ideais eram completamente inócuos para a massa
populacional inculta da província.
Pelo contrário,nas cidades,vilas e aldeias onde existiamcomissões ofi-
ciais do Partido Republicano, ou simples grupos locais de partidários
ou de simpatizantes dos ideais republicanos, assim que se soube do
eclodir da revolta houve manifestações de regozijo, e mesmo antes
da implantação no novo regime na capital já alguns núcleos popula-
cionais dos arredores de Lisboa, com uma forte participação do ope-
rariado, se tinha proclamado a República – foi o que sucedeu namar-
gem sul do Tejo no Barreiro,Moita e Almada, e, a leste da capital, em
Loures.
Quando o desfecho domovimento revolucionário era ainda incerto e
quando se julgava que as forças militares monárquicas,muito supe-
riores emnúmero,pudessemsubjugar os amotinados,a população de
Lisboa e dos arredores revelou umardoroso e irreverente empenho
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David Ferreira sintetiza bem o aspecto sociológico da revolução, que
deflagrou «depois de ter sido preparada superiormente por ele-
mentos militares e das chamadas profissões liberais:médicos, advo-
gados, engenheiros, jornalistas, professores dos três graus de ensi-
no, escritores, estudantes e artistas». Este embrião dinamizador
apoiou-se numa parte importante da burguesia comercial, agríco-
la e industrial, e contou com a colaboração imediata de elementos
de todas as camadas da população portuguesa que, de um modo
ou de outro, prestou o seu decisivo contributo no decurso da acção
militar: «gente das mais variadas categorias sociais acorreu sem
demora aos locais onde as forças revoltosas se batiam, levando-
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lhes informações valiosas; proporcionando-lhes alimentação; enco-
rajando-as com o seu aplauso e com a sua presença, ainda que, por
vezes, com prejuízo das próprias operações em curso; ajudando-as
no transporte de material e munições; incitando-as à luta, com o
exemplo da sua livre adesão; e, principalmente, atacando por todas
as formas e despistando com informações erradas as forças fiéis à
Monarquia»
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As comunicações e o advento da República
Entre os meios de comunicação ao dispor do Governo e de particu-
lares naqueles primeiros anos do século XX estava o serviço telefó-
nico
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que no nosso país ainda se encontrava numa fase de relati-
vo atraso em relação ao resto da Europa. O serviço então em vigor
resultava de uma concessão de 1901 feita à The Anglo-Portuguese
Telephone Company, com sede em Londres. Os serviços do Estado
tinham um desconto de 50% nas tarifas e havia até um serviço
especial, pago em conformidade, para ouvir as óperas do Teatro de
S. Carlos pelo telefone. Como singelo exemplo da forma como a notí-
cia da morte de D. Carlos e do príncipe herdeiro se disseminou tele-
fonicamente, recorde-se que foi pelo telefone que amorte do rei foi
confirmada aomarquês de Soveral,membro do Conselho de Estado
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Afonso Costa, um dos obreiros da implantação da República.