Página 37 - Códice nº6, ano 2009

marinheiros. Recorde-se que tinha sido precisamente a GuardaMuni-
cipal a esmagar a tentativa de revolta republicana no Porto em 31 de
Janeiro de 1891.
E assim,àmedidaque iamescasseandoas forçasmonárquicas aumen-
tavamas tropas ao serviço dos republicanos: julga-se que no final da
tarde de 4 de Outubro os soldados na Rotunda seriam já uns qui-
nhentos,a que se juntava igual número de civis armados e outros tan-
tos que desejavamparticipar mas para os quais não foi possível arran-
jar armamento.
Entretanto, os navios de guerra surtos no Tejo abriram fogo contra a
fachada do Palácio das Necessidades,umalvo previamente definido
e que se viamuito bemdo rio. O cruzador
D. Carlos
,
omaior dos navios
daArmada,comuma tripulaçãodemais dequatrocentos homens,tinha
recebido ordem das autoridades militares para se afastar de Lisboa
e ir fundear na baía de Cascais,mas foi assaltado por umgrupo revol-
toso na noite de 4 de Outubro, depois de um breve tiroteio a bordo,
e colocado ao serviço da República
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.
Os tiros de bordo não vieramno
entanto do
D. Carlos
mas sim dos mais pequenos navios de guerra
que o acompanhavamnoTejo, o
Adamastor
e o
S. Rafael
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,
que bom-
bardearam o Palácio das Necessidades onde se encontrava o rei
D. Manuel II, que em breve dali sairia para Mafra.
A situação de impasse tornou-semais ambígua quando a certa altu-
ra foi visto o cônsul da Alemanha, levando uma bandeira branca,
vindo do quartel-general do Carmo, onde tinha ido pedir ao coman-
dante da divisão militar de Lisboa, general Rafael Gorjão, um armis-
tício. A intenção era a de permitir,durante a solicitada trégua,que os
súbditos alemães residentes na capital se retirassempara não serem
atingidos. Obtida a anuência da autoridade monárquica, deslocou-
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se o diplomata à Rotunda com uma escolta e com uma bandeira
branca. A imagem do cônsul com a bandeira, cujo significado de paz
era bemconhecido (e a verdade é que ninguémsabia quemera aque-
la personagem), foi um momento crucial no decurso das indecisas
operações, pois levou os populares a pensar que se tratava da rendi-
çãodas forçasmonárquicas,e essa inopinada cena tambémveioa con-
correr para o inesperado desfecho daquele movimentado dia 4 de
Outubro.
Entretanto, num gesto ousado, Machado Santos desceu a cavalo a
Avenidada Liberdade,rodeadodeumamultidãoquedava vivas àRepú-
blica, e seguiu logo para o quartel-general monárquico onde exigiu a
rendiçãodogeneral Rafael Gorjão.Depois,numaeufóricaempatia con-
fraternizaramsoldados e populares que continuou quando da varan-
da da CâmaraMunicipal de Lisboa foi proclamada a República no dia
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e se anunciava a constituição do novo Governo.
Empatias na capital e na província
«
Pela larga participação do povo e pelas patentes dos elementos
militares que a dirigirame sustentaram,a revolução de 4 e 5 de Outu-
bro foi, no momento da sua eclosão, um movimento nitidamente
popular: semo decidido concurso do povo, aMarinha e a parte revol-
tada do Exército ter-se-iamvisto talvez na dura contingência de capi-
tular poucas horas depois de iniciada a audaciosa tentativa» – opina
David Ferreira
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Quanto aos defensores da Monarquia, poucos apa-
receram para a defender, e nem sequer alguns dos famosos oficiais
que erambem conhecidos por actos de valor nas campanhas de Áfri-
ca em finais do século anterior se empenhou.Tambémo desânimo ou
o desinteresse os atacou, e, à excepção de Paiva Couceiro (depois
refugiado emEspanha paramover um intenso combate ao novo regi-
me), nenhum deles se colocou à frente dos vários quartéis e das uni-
dades que circundavam Lisboa, uma das quais estava sedeada em
Mafra,comum forte contingente de algumas centenas de homens
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Quadros da Revolução, 4 de Outubro de 1910