Página 20 - Códice nº4, ano 2007

20
mais abonatórias «as habitações são tão longe umas das outras,que
muitas vezes se tem de ficar no campo, numas quase cabanas a que
chamam vendas, onde geralmente está como hospedeiro um des-
graçado qualquer»
82
.
As queixas contra as más condições das estalagens portuguesas
foram constantes. No anos 20 do século XVIII, o francês Merveilleux
fez notar:«encontrei-me tãomal alojadonapousadadeCoimbra como
estarianadopior dos povoados.Comgrande espantomeu vi ali as pes-
soas comerem sem sequer se servirem das mãos […]. Não havia nem
colheres nem garfos nessa pousada e a mesa estava apenas muni-
da de uma só faca que passava de mão em mão»
83
.
Em 1730, numa
descrição anónima de Lisboa, salientou-se: «muito embora os víve-
res sejam bastante baratos, as boas hospedarias, que são quase
todas francesas, inglesas ou holandesas custam os olhos da cara
[…].
Fica-se mal instalado em qualquer delas mas quanto ao passa-
dio é muito razoável. O elevado preço destas hospedarias provém da
pouca freguesia,pois amaior parte dos forasteiros que permanecem
nesta corte ou aqueles que estão de passagem, em negócios, hos-
pedam-se em casa de amigos ou alugam quartos» . Mais sucinto foi
o francês Carrère:«em Lisboa hámuitas hospedarias,mas nenhuma
é boa. Numas, as refeições são emmesa redonda, a preço fixo, nou-
tras come-se o que se pedir, pagando-se consoante os pratos esco-
lhidos»
85
.
Mesmo no final do século XVIII, o Reino continuava a ter más esta-
lagens. O alemão Link, em texto publicado em 1801,mas relativo aos
últimos anos da centúria anterior, verificou, contudo, a existência
de bons emaus locais para comer e dormir. Assim, registou:«nenhu-
ma outra grande cidade em Portugal tem estalagens tão más como
Coimbra,nelas umforasteiro recebe aposentosmiseráveis,más camas
e comidas cuja apresentação requer o apetite de um botânico».
capacidade física da casa propriamente dita e do seu abastecimen-
to. Deste modo, era necessário fazer, reparar e acrescentar as casas
da estalagem, ao mesmo tempo que ser abastado também era con-
veniente. Havia estalagens um pouco por todo o Reino. Porém, o seu
número e, sobretudo, a sua qualidade parecem não ter sido sufi-
cientes ao longo de toda a Época Moderna. Os testemunhos dos
estrangeiros dos séculos XVI ao XVIII,na continuidade aliás do perío-
do medieval, não deixam dúvidas. As críticas incidem, sobretudo, na
falta de comida ou na ausência de qualidade da mesma.
Na primeira metade do século XVI, frei Claude de Bronseval, acoli-
tandoD.Edme de Saulieu,percorreu o Reino e pôde pronunciar-se,com
conhecimento de causa,a respeito das estalagens. Se as de Águeda,
Ancião,Bucelas,Caldas da Rainha,Tomar e poucomais foramdescri-
tas como razoáveis ou boas,as de Évora,Grijó,Mealhada,Pinheiro da
Bemposta, Porto e Viana do Castelo foram classificadas como mise-
ráveis,lamentáveis,pobres e inqualificáveis
80
.
Por seu turno,o huma-
nista Clenardo considerou que Portugal tinha péssimas estalagens e
descreveu o que passara no Alentejo: «não havia cevada para as
bestas e, sabe Deus, com que dificuldade se arranjou uma pequena
ração de palha! Os animais tiveramque ficar no sereno; nós servimo-
nos dos fardos à guisa de cadeiras, ou assentámo-nos no chão.
A ceia foi muito abundante;quemsabia se teríamos que jejuar no dia
seguinte? Não faltava vinho e pão havia com fartura, mas a um
homemdoBrabantenão sabemmal aindaoutras iguarias.Vamos,toca
a deitar, que amanhã temos que partir de madrugada, senão arris-
camo-nos a pernoitar na charneca […]. Mas como? Se não havia
camas, nem sequer um lugar onde se pudesse conciliar o sono! Havia
quedormir numa casinhotaacanhadíssima,paramais quase todaatu-
lhada com os fardos das bestas!»
81
.
Anos mais tarde, ainda no sécu-
lo XVI,quando um italiano visitou Portugal,as observações não foram