Página 68 - Códice nº3, ano 2006

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testa pálida, cor de neve, o lacinho pren-
dendo as tranças bem torneadas que
ostentas na nuca, dão-me imensa ale-
gria comaminha contemplação cheia de
amor.» (15/3/1920). «Como devia ser
encantador, imenso de poesia, se os nos-
sos beijos, prenhes de amor fossem tro-
cados naquelemar longínquo,muito alto,
onde sóexisteobálsamo sagradodoamor
puro. Como era soberbo o nosso idílio no
meio daquele deserto, onde os nossos
corações exalassem o perfume inebrian-
te da brisa. E naquela ondulação cristali-
na, numa flutuação inquieta, fazendo
transparecer aqui e além, a cabeça pra-
teada dos peixes,eu sinto pairar sobre as
nossas cabeças abençãodeDeus,o vapor
níveod'umaatmosfera carregadadonosso
amor ardente.» Do teu Alfredo.
(22/3/1920).
Carolina, dois anos mais tarde, corres-
pondia à exaltação e à poesia do amado,
mas com incerteza e angústia, efeito tal-
vez da distância: «Meu muito querido
Alfredo:Acredita que hojemais do que nunca duvido do teu amor por
mim, porque foi realmente hoje (dia 29) que chegou a Lisboa o vapor
Portugal, vindo de S.Tomé, Luanda, etc., não exigia notícias de Luan-
da,mas de S.Tomé tinhas toda a obrigação de escrever. Bem, esque-
ceste-me mais depressa do que eu imaginava, mas mesmo assim
tenciono breve ir para junto de ti, porque te amo sinceramente, e
X resolveu sonhar ele também com a feli-
cidade intensadaqueleamor,frescoepuro
cantomatinal. Fugiu por algum tempo da
cidade,deixou o seu olhar alongar-se num
horizonte marítimo e cintilante. Via com
assombro o branco maravilhoso estilha-
çar oazul que se espraiavadepois emsere-
na volúpia. As gaivotas gritavam aquela
imensidão e liberdade e cada uma trazia
uma carta comumpedaço demar.Eramas
cartas de
Francisco
a
Maria Christina
que
vivera na Rua das Pedras Negras, cartas
onde o mar explodia em ímpetos de uma
luz de princípio do mundo, como devia ter
sido, no seu início, aquele amor. O tempo
apagara de todas as cartas o nome de
Christina,umaapenas permanecera,para
ressuscitar a sua beleza frágil e opulenta,
como a do tomilho que Francisco descrevia
na única legível (27/7/1908). O Sr. X resol-
veu naquela tarde plantar uma sementi-
nha de tomilho num vaso da varanda da
sua casa onde já havia cravos vermelhos
que tinhamo hábito de adormecer ao sol,
enquanto o rio os embalava no seu azul longínquo.
E foi na sua varanda sobreo rioque leuas últimas cartas achadas nesse
dia,de
Alfredo
a
Carolina
Minhaalma sente-se voar no espaço,toda
cheia de perfumes, reflectindo-se em todos os voos a sombra dos
teus olhos,que tenho aqui àminha frente,num lindo postal. A ondu-
lação dos teus cabelos castanhos, pousando correctamente sobre a