Página 61 - Códice nº3, ano 2006

«
Les Fleurs Parlent Pour Moi
».«
Penseà cellequi pense toujours à toi».
Flores maravilhosas, nas cartas de
Maria Augusta
a
Vasco
espalha-
vam perfumes e sentimentos ternos e simples. «Sinto tanto que
dizer/ que me invade o desalento/ Pois quanto mais sentimento/
menos sei descrever (Lisboa, 24 de Julho de 1905, às 4 da tarde).
«
Quandooamor é sincero/Pouco importaa riqueza/Nãohánada como
umquero/Quando se diz com firmeza.»Maria Augusta (8 de Julho de
1905).
Rosas,margaridas,violetas,orquídias,flores da poesia e do sen-
timento:
Há dias, encontrei em cima desta mesa,
Desta mesa em que escrevo os versos que te dou,
Uma orquídea perfeita, um tipo de beleza
Trazendo inda o sabor do beijo que a beijou.
Tão pequena e bizarra, a delicada orquídea,
Poisei-a com amor na jarra de cristal,
A recordar-me sempre a cínica perfídia
Da tua alma de artista, estranha e original.
Enviando-ma assim, na minha ausência, há dias
Puseste no teu gesto, uma intenção que aceito:
Fiquei sabendo bem o quanto compreendias
A esfinge que deforma as falas do meu peito.
A orquídea que me deste, estranhamente linda,
Na cor contorsionada e triste que revela,
Temmuito do que és - mas muito mais ainda
Do que a minha alma é, para ti que sabes vê-la.
Eu revejo-me nela e nela me pressinto,
No máximo requinte histérico do gosto,
Tal como sou pra mim, se para mim não minto,
Quando deixo cair a máscara do rosto.
(…)
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Flores maliciosas, flores pensativas,palavras, carícias prometidas em
forma de botão ou de corola rubra, adormecida.
O Sr. X prosseguia o seu périplo no pasmo da descoberta de emoções
ignoradas, sem se aperceber que muito pertoMlle Blanche aspirava,
ela também, o perfume das flores da alma daqueles esquecidos, tão
sedentade amor,e dele tãoafastada,como ele próprio.De rua emrua,
de beco embeco,de praça empraça,esquadrinhavam todos os recan-
tos em busca de antigas cartas e de velhos livros com cheiro a mofo,
páginas rasgadas emensagens estranhas escritas na primeira pági-
na. Cada livro foi umdia amado por alguémque nele deixou gravado
um nome, senha para entrar naquele universo maravilhoso. Todos
esses velhos livros falavam de amor, todos esses livros aguardavam
um novo olhar que os salvasse do nada e esse olhar era o do amor.
O Sr X percebeu então que havia um nexo misterioso entre a poesia
dos livros que ninguém lia e aquelas vozes, gritos surdos de amor
ecoando na parte mais sombria do longo corredor do século XX, o
século de todas as modernidades e de todas as bizarrias.
Coleccionadores de cartas perdidas, ele e Blanche, cada um por seu
lado, tentavam reunir de novo aqueles casais e aqueles amores volup-
tuosos e puros, de uma pureza voluptuosa que já não existia. Ambos
tinham lido as cartas de amor de Fernando Pessoa a Ofélia e de Ofé-
lia a Fernando Pessoa. O Sr. X costumava passear com o livro de car-
tas de Fernando Pessoa e Blanche que vivia num bairro antigo onde
Ofélia tinhamoradogostavade transportar o seu livroede vez emquan-
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