74
«
Atéaquitemosvistoocorreioestritamente limitadoàtrocadecor-
respondências,basedasuacriaçãoesuafunçãoorgânica,masdeli-
neou-seumaevoluçãosoba influênciadatransformaçãosocialque
resultoudo incrementodagrande indústria,consequênciadomeca-
nismoedaextensãocomercialqueseseguiu».AntónioPinheiro,que
foi chefedaECC,referia-seassimàs repercussõesdoaparecimento
de inventosetécnicas inovadoresquemarcaramasegundametade
doséculoXIX.Nadécada iniciadaem 1880,constrói-se,em Lisboa,o
ParqueEduardoVII,noPortosurgemosprimeiroscarroseléctricos.Got-
tliebDaimler inventaomotordecombustão interna,KarlBenzcons-
tróiummotorcomumsócilindro,écriadaa lâmpadade incandescência,
éedificado,emChicago,oprimeiroarranha-céuseaparecemàvenda
latasdeconserva.
Noentanto,nacapitalportuguesaaindasemugemvacasnas ruas,
ondecirculamcarrospuxadosporboiseparam,encostadosàsesqui-
nas,os«moçosde fretes»,queperduraramatémeadosdo século
XX.«Máquinas de suor»,como os apelidouMatos Sequeira,ou
«
galegos»,porquemuitoseramoriundosdestaregiãodeEspanha,
foram os percursores dosmodernos serviços urgentes de recep-
ção/entregadevolumesdenaturezavariada.No filme
AVizinhado
Lado
,
deAntónio LopesRibeiro,de 1945,um«galego»é incumbido
deentregarna residênciadeum cavalheirouma cartaenviadapor
umasenhora.
MasLisboanãoéumacidadeparadanotempo.Nocensode1890tinha
391206
habitantes,enos20anosseguintescresceu11porcento (435
539
habitantes).Os CTT acompanhavam este engrandecimento,
abrindoestaçõeseassentando«marcos»do correio,«umequipa-
mento simples e conveniente,mas também um sinal de civilização
edeestabilidadedavidaurbana!»,nodizerde J.P.MartinsBarata.
E,em 1882,são inauguradasas redes telefónicasde LisboaePorto.
A
difusãodasestaçõesdosCTTacompanhaocrescimentodacida-
de.Nãoéuma infra-estruturaprimordialparaaconstituiçãode
umaglomeradourbano.Mas,seesteprogredir,édasprimeirasempre-
sasprestadorasde serviçosaestabelecer-senessa localidade.Hoje
éassim,talcomoeraem1880,quandofoi inauguradaaEstaçãoCen-
traldosCorreiosde Lisboa.
Há125anosviviam-setransformaçõesestruturantesnosserviçosde
correiodo reinodeSuaMajestade,D.Luís (1838-1889).Foidecretada
a fusãodosServiçosdeCorreiosedeTelégrafoseaindadaAdminis-
traçãodosFaróis,quepassavamaserdaresponsabilidadedeumdirec-
tor-geraldosCorreios,TelégrafoseFaróis.GuilhermedeBarros,anti-
godeputadoegovernadorcivildeBragança,CasteloBrancoeLisboa,
foioprimeiroaassumirocargo.Numacircularquemandoudistribuir
pelos Serviços,sublinhava:«[…]Uma das primeiras qualidades a
assistir-noséahonradez:quemnãopossuirestesentimentonomais
elevadograudificilmente satisfaráasobrigaçõesdo seuofício.[…]
oempregadopostaldeve sermaisdoquehonrado,cumpre-lhe ser
virtuoso.Aopassoqueos seushonorários sãomódicos […],em Lis-
boa,o trabalhocomeçaàsquatrodamanhãedilata-sepelanoite;
esobretudonaocasiãodachegadadospaquetesé rápido,febril,e
exigesuores,lancedeolhos,eusodeserviçoapenascrível;nosoutros
pontosdo país tem horas deanálogo trabalho emuitas são incó-
modas.»
A«Posta Rural» também foi criada e organizada em 1880.Eurico
Cardoso descreve a rudeza deste serviço:«Alguns distribuidores
rurais chegamapercorrer,apé,45quilómetrospordia,fazendo-se
anunciarporumsinalcombinado.Alémdeentregareme receberem
correspondências,abremas caixasde trânsito,vendem«estampi-
lhas»,«tomamassinaturaspara jornais»,estandoainda incumbi-
dosdeoutrosserviços.»
EmGlória,deVascoPulidoValente,odeputadoeaplaudidooradorVieiradeCastro,depoisdemataramulher,sai
decasa,napartealtadaRuadoAlecrim,edirige-seàestaçãodaPraçadoComércioparaenviarum telegrama.
AcidadevistadaEstaçãode
CorreiosdaPraçadoComércio
J.M.TeixeiraGomes
|
QuadroSuperior dosCTT -Direcção de Filatelia
Edifício central de correios,Terreiro doPaço, acervo iconográfico daFPC.
Inauguradahá 125anos
4
asestruturassociaiseeconómicasdoPortugalmedievo,poder-se-iam
caracterizardeprecárias,ondeapobrezadamaioriadapopulaçãoera
umaconstante,tornando-sea,partirdemeadosdoséculoXIIImais
desafogada,atravésdaconsolidaçãodasestruturaspolíticasesociais.
As infra-estruturasdamobilidade
Faceàprecariedadee instabilidade sócio-económicaaqueonosso
território foi sujeitoao longode séculos,principalmenteduranteos
séculosXaXII,torna-seumaevidênciaaacentuadacapacidade/neces-
sidadedemobilidadedaspopulações,faceaconstantes«razias»e
«
correrias»aqueestavamsujeitas.
O condicionalismomilitarno território,levouaquegrandeparteda
populaçãovivesseno limiardapobreza,protegendo-se juntodecas-
telosoumosteiros,deslocando-seassimpara lugaresmaisseguros.
Também o carácter religioso e o espírito de cruzada contra o Islão
que imbuíaqueros combatentes,queraspopulações deambosos
ladostornavaaconquista/reconquistadosterritóriosumactosacra-
lizado.Veja-sea lenda dabatalhadeS.Mamede,reforçandoasprá-
ticas religiosasque,faceà fragilidadeeprecariedade jáantes refe-
ridas,apardossurtosepidémicosdegrande ferocidade,originaram
cultos religiosossingularesnaPenínsula Ibérica.
Ohomemmedieval,peranteaprecariedadequeoenvolvia,«fome,
pesteeguerra»,desenvolveuumconceitoapocalípticodevida,onde
amorte e o julgamento deDeus estão sempre presentenos seus
actos quotidianos,relembrados continuamente pela Igreja e suas
instituições.
Procuraremosassimanalisarasmotivaçõesdacirculaçãodaspopu-
lações,comoo faziam,equaisasestruturasdeapoioexistentesno
Portugalmedievo,privilegiando,nãoascategoriassociaispossiden-
tes,nobreza,ou as várias categorias do clero,mas os«vilãos»,a
O
espaçoportuguêsapósoreconhecimentodeD.AfonsoHenriques
como reidePortugal,em 1143,nãodeixandode serum territó-
rio instávelpelas lutasconstantesentreosguerreirosdoIslãoeaspopu-
laçõescristãs,foiconsolidandoas infra-estruturasnecessáriasaum
reino independente,conquistandopaulatinamenteaoAl-Andaluz
osterritóriosasul:Leiria - 1145,LisboaeSantarém - 1147,Évora - 1165.
Tambémas tácticasmilitareseoespíritoguerreirodosprimeiros reis
dePortugal,apesardosauxíliosexternosdecruzadoseordensmili-
tares,nãodeixaramdeter importâncianaconsolidaçãodoPaís,cons-
truindocastelosemuralhasparadefesaeprotecçãodebensepopu-
lações.
Oterritórioportuguêsdetinhaassimdoistiposdegeografiasocial:uma
a norte,a chamada região entreDouro eMinho,com um grau de
estabilidade demográfica crescente,e posteriormenteas Beiras e
principalmenteaEstremaduraque,por ter sidoobjectodeconquis-
tasereconquistasconstantesentre«Mouros»ecristãos,cujosaque
depopulações fronteiriçaseravulgar,dificultoua fixaçãodepopu-
lações,queosnossos reis,atravésdedoaçõesdegrandesespaçosa
ordensmilitares,procuraramcolmatarosTempláriosemTomar,oua
ordens regulares,aordemdeCister,Alcobaça.
Ao longodoséculoXIIIeXIV,jácomaconquistadefinitivadoAlgar-
veem 1248,Portugalsurgecom umterritóriomuitodesigualnasua
ocupação:oNorte e Centromuito populosos e férteis,apesar de
muitoacidentados,cedoseautonomizaramemconcelhos,quedeti-
nhamas suasautoridadesciviseeconómicas;oSul,frutoda recen-
te reconquista,despovoadoe tambémmenos fértil,foimaissujeito
apressõessenhoriais,querdoclero,querdosgrandessenhores,uma
vezqueoseupovoamentosetornoumaisproblemáticocomo recuo
muçulmano.
Fortementecondicionadaspelos sucessosmilitaresda reconquista,
Itinerânciasecomunicações
noPortugalmedieval
Júlia Saldanha
|
LicenciadoemHistória PelaUniversidade deCoimbra -QuadroSuperior da FPC
SãoTiago combatendo osMouros.MuseuNacional deArteAntiga
20
ço tãosensível,duasoutras razõesbem importantesestavam,tam-
bém,subjacentesaesta tomadadedecisãodopoder:
>
Os correios constituíamuma excelente fontede rendimento,o
queajudariaa fortaleceroscofresdoEstado;e,
>
Ocontrolodacirculaçãoda informaçãoeraumaarma indispensável
àconsolidaçãodeumEstadocentralizadoeforte.
JoséDiogoMascarenhasNeto
Énestecontextodepassagemdaexploraçãodoscorreiosparaasmãos
doEstadoquesurgeafiguradoDr.JoséDiogoMascarenhasNeto,após
umcompreensívelperíodoe transiçãodemaisdeumanoemeio.De
factoe,apesardetersido iniciadotodoestecomplicadoprocesso,ainda
noanode1797,seriasomentea20deJaneirode1799queestemagis-
tradoassumiria,defacto,o lugardesuperintendentegeraldosCor-
reiosePostasdoReino.
Sabe-sequenasceuemAlcantarilha,noAlgarve,em1752,sendofilho
doDr.João JacintoNeto,capitão-mordeSilvesedeD.AnaPaulade
MendonçaMascarenhasNeto.
Demagistradoa superintendentegeral
das Estradas
DepoisconcluirocursodeDireito,naUniversidadedeCoimbra,dedi-
cou-seàmagistratura,vindoasercolocadocomo juizdeforade Lei-
ria,em 1781.
Cincoanosmais tarde,em 1876,tomavaposse como corregedorna
comarcadeGuimarães.Nestacidade,viriaaevidenciargrandesqua-
lidades,elaborandouma interessanteestatísticadacomarca,quededi-
couaoGoverno,comcuriosasobservaçõessobreasactividadeseco-
nómicasda regiãodeEntre-DouroeMinho.
Muitoprovavelmenteporseterdistinguidoneste lugar,em1788,viria
E
m 2005,ano em que passam dois séculos sobreo terminus do
consulado doDr.JoséDiogoMascarenhasNeto como superin-
tendentegeraldosCorreiosePostasdoReino,impõe-se,comtodaa
justiça,umabreve reflexãosobreacçãodestegrandeestrategados
correiosportugueses.
Pode-seafirmar,semqualquerespéciededúvida,queoDr.Mascarenhas
Neto se encontra entre as personalidades quemaior importância
tiveramnodesenvolvimentodossistemasdecomunicações implan-
tadosemPortugal.
Apesardacurtaduraçãodoseumandatoà frentedosdestinosdos
correios (pertode seisanos),viriaa revelar-se comoumhomemde
extraordináriavisãoecapacidadeorganizativa,quenospermitecon-
siderá-locomoonossoprimeiro reformadordosserviçospostais.
Porém,antesdese referiraacçãodeMascarenhasNeto,enquanto
homemdamudança
,
parece-nos importantefazerumbreverelance
sobreaevoluçãodosCorreios,comespecialdestaque,paraosmomen-
tos imediatamenteanterioresà sua chegadaao cargode superin-
tendentegeraldosCorreiosePostasdoReino.
OEstadoassumeaexploraçãodosCorreios
ODespotismo Esclarecido,reinantena segundametade do século
XVIII,não se coadunava coma ideiadequeum serviço tão sensível
comoodos correiospudesseestarnasmãosdeparticulares.Assim,
reclamandoanecessidadededotaropaísdeunscorreiosdecarizver-
dadeiramentepúblicoseassumiraexploraçãodeumserviçoquenão
condiziacomaactividadeprivada,eradecidida,em 1797,asuapas-
sagemparaaCoroa.
Devesalientar-se,noentanto,queparaalémdaevidentenecessidade
de criarum serviçode correiosmaiseficaz,para responderàsnovas
solicitaçõesdoscidadãose retirardaexploraçãoparticularumservi-
JoséDiogoMascarenhasNeto
O Homem da Mudança
FernandoMoura
|
LicenciadoemHistóriaPelaU.L. -QuadroSuperior da FPC
JoséDiogoMascarenhasNeto, (1799-1805), arquivo iconográfico daFPC.
34
mevolumedecartasquediariamentecirculavampelacorteentreos
altosdignitárioseentreestesetodaaclassedeentidadesepessoas
dedentroe foradoReino».
4
Nãoénossoobjectivoabordar,neste
momento,osconteúdosdacorrespondênciaadministrativanempro-
cederàsuaanálisediplomática,perspectivaadoptadaporesteautor.
Pretendemos,no entanto,estabelecer a relação entre a criação
eexpansãoda redede correioseosprojectospolíticosque visavam
adominaçãode territórios.
Defacto,acriaçãodecorreiosorganizadoséumfenómeno intrinse-
camente ligadoaoprocessode construçãodos Estadose Impérios
modernosbemcomoàconsolidaçãodeprojectosde independência
deterritóriossobdominaçãocolonial,comoseexpressanosexemplos
seguintes.
Quando,em1505,FilipeIherdouotronodeCastela,nomeouFrancisco
deTassiscomocorreio-mordacorteeencarregou-ode fazerchegar
acorrespondênciaprovenientedeváriascidadesespanholasaBru-
xelasnumdeterminadonúmerodedias.Esta rede foiampliadano
tempodeCarlosV,monarcaqueencarregoua«empresa» italianade
transportarmissivas entre Castela e os espaços europeus com os
quaistinharelaçõesmaisestreitas,casodaFlandres,França,Alema-
A
scitaçõesemepígrafe remetem-nosparaaarticulaçãoexisten-
te entre a implantação de serviços organizadosde comunica-
ções postais e a problemática da estruturação dos Estados,tema
quenosocupanesteartigo.
3
AsnovascorrentesdaHistóriadoEstadotendemaafirmarqueesta
configuraçãopolíticasótevepossibilidadesdedominareficazmente
o territórioquando se criaramas condiçõesquepermitiram resolver
algunsdosmaioresproblemasdacomunicaçãoàdistância,destacando
amelhoriadosmeiosdetransporteterrestreemarítimo,a implantação
docaminhodeferroeadifusãodotelégrafoedotelefone.Oestado
forteecentralizadooitocentistatem,noentanto,asuagénesenos
sistemaspolíticosanteriores,aindaqueestesseregessempormatri-
zesculturaisepráticasdeexercíciodopoderdiversasdasquesevie-
rama impornoséculoXIX.
Umadasfontesprivilegiadasparaoestudodosprocessosdedecisão
políticaedosmecanismosdeexercíciodopoderéacirculaçãodascar-
tas.AestepropósitoescrevePedro Luís LorenzoCadarso:«Durante
os séculosXVIeXVIIa correspondênciaepistolardesempenhouum
papelessencialno funcionamentodoEstadoAbsoluto,aopontode
queeste resultaria inexplicável sem tomarem consideraçãooenor-
Osistemadecomunicações
postaisna idademoderna
eoprocessodeconstrução
do«Estadomoderno»
Margarida SobralNeto
|
Professora da Faculdade deLetras daUniversidade deCoimbra -Membro doCentro deHistória da Sociedade e daCultura
«
Seoscampanáriosforamacaixade ressonânciaatravésdaqualsedivulgaramalgumasdasgrandesmensagensque interessavafazerpúbli-
cas,asnecessidadesdeumacomunicaçãocadavezmais fluidaentreaCoroaeosdistintosórgãosdepoder significaramapaulatina institu-
cionalizaçãodoCorreioedos serviçosdepostascomocorreiade transmissãodosassuntosdenatureza reservada» (AntónioRecuero)
1
.
«
Noplanodapráticapolítica,oaumentodaacessibilidade territorialestá intimamente ligadoaoprogressodaescritaeaodesenvolvimento
dos serviçosdeposta» (AntónioHespanha)
2
.
“
L’hotel des postes, le timbrage”, 1880, acervo iconográfico daFPC.
46
(
sóaspessoas importantes sepintavam)mas também importância
sexual,tornandomaisapelativoesedutororostobempintado.Asvarie-
dades dematéria-prima necessária encontravam-se no Egipto,a
malaquitenodesertoorientalenoSinai,eagalenaemAssuãoeno
marVermelho.Contudo,váriassubstânciasparaapinturadosolhos
eramtambémtrazidasdoestrangeiro,comoficou ilustrado,porexem-
plo,numapinturamuraldeumtúmulodeBeniHassan,ondesevêuma
caravanadeasiáticostrazendo,entreoutrosprodutos,pinturapreta
paraosolhos.
As substâncias corantes,de tiponaturalou sintético,foramutiliza-
dascomumanotávelabundânciaecomgrandemestriapelosexímios
artistaseartesãosdopaísdoNiloparadarcoloraçãoatudooquedese-
javam.Emesmoquehojenãovejamosmaisascoresemmuitosmonu-
mentos,emestátuasourelevosmurais,oumesmopequenosamuletos,
decepcionantementedescoloridos,averdadeéquenoantigoEgip-
totudoerapintadoparadaràobradeartenãoapenasmaisvivaci-
dadefruitivaeagradávelvisualizaçãomaspelosimbolismoqueasvárias
corestinham.De restoasprópriascoresconferiamaosobjectosuma
cargaamuléticaemágica.
Parataleramproduzidoscromatismosdiversosapartirdepigmentos
queartistaseartesãossabiamextrairdanaturezaenvolvente.Obti-
nham-seospigmentosamarelosapartirdeargila contendo várias
quantidadesdeóxidode ferro (limonite,porexemplo),eospigmen-
tosvermelhostambémeramconseguidosapartirdematériaargilo-
sacontendoóxidodeferro,nestecasohematite,ouaindaapartirdo
cinábrio.Quantoaosmuito procurados pigmentosazuis eram pro-
duzidoscomamaceraçãodeazuriteoudecobalto,deque resultava
ochamado«azulegípcio»,muitotípicodasestatuetasfuneráriase
deoutrosobjectos.Ospigmentosverdes conseguiam-seapartirda
malaquite,entreoutrosprodutos,ospigmentosbrancosapartirde
O
Egipto faraónico,conhecidopor ter forjadoumabrilhantecivili-
zaçãoqueaindahojecativamuitagente,deixouumrico legado
cultural no pensamento religioso emítico,na literatura e na arte.
Quem hoje visita o Egipto não pode deixarde admirar os vestígios
artísticosmastambémsedeixarádeslumbrarpelovariegadocroma-
tismodapaisagem.ÉqueoEgiptoé,também,ummundode cores,
quesedestacampor forçadageografiadopaísdoNilo:oazulsem-
pre presenteno céu e no rio;o verde exuberante da paisagem;o
amarelodasmontanhas,doscereaismadurosesobretudodosol;enfim,
opreto,acordofértil lodoescuroqueoNilodeixavanasmargensdepois
da inundação,equedáonomeaopaís:Kemet,«ANegra».
Eraàsuanatureza,ricamentepictórica,queosantigosartesãoseartis-
tasegípcios iambuscarafértil inspiraçãoqueaartedemonstracom
osseusapelativoscromatismos,maseratambémdelaqueextraiam
osmineraisnecessáriosparaproduziroselementosutilizadosnapin-
tura,tambémelaumveículodecomunicaçãoedefruição,sejaapin-
turadasvastassuperfíciesmuraisde túmulose templos,sejaapin-
turadosolhosedo rostodequemapodiaexibir.Paraapinturados
olhos,tantohomenscomomulheresusavamuma substânciaverde
(
obtida damalaquite),mas também o preto (obtido da galena).
AmbasasvariedadeseramconhecidasdesdeaÉpocaPré-Dinástica
(
antesde3000a.C.),sendoopretoamais importante.Foramencon-
tradas essas variedades em diversos túmulos,tanto omaterialde
base,guardadoemsaquinhosdetecidooudecouro,ou jápulverizado
ouempasta,dentrodevasostubulares,unguentárioseoutroscon-
tentores.Colocava-seemtornodosolhosusandoodedoouumapli-
cador,umpequenoestiletedemarfim,osso,madeiraoumetal,que
semergulhavadirectamentenapastaouentãoemáguaedepoisna
substânciaparaapintura.Quandosefaladepinturadosolhosnoanti-
go Egipto é bom recordarque o gesto tem acuidade socio-política
AscoresnoAntigoEgipto:um
sensitivomeiodecomunicação
LuísManuel deAraújo
|
Professor da Faculdade de Letras daUniversidade deLisboa (InstitutoOriental)
Cromatismo natural da paisagem egípcia: o azul doNilo, o verde da vegetação, o amarelo do desertomontanhoso e de novo o azuldo céu.
58
>
AfricanDirectTelegraphCompany
>
WesternTelegraphCompany
>
EuropeandAzoresTelegraphCompany
>
C
a
ItalianadelCaviTelegraficiSottomarini
>
SocietéAnonimeBelgedeCablesTélégraphiques
AscompanhiasWestAfricanTelegraphCompany,EasternTelegraph
Company,EasternandSouthAfricanTelegraphCompanyeEuropeand
AzoresTelegraphCompanypertenciamaogrupoCWL(CableandWire-
less),queexploravaascomunicações dentrodoperímetroCAMpara
as colónias portuguesas deÁfrica,para a Índia e paraMacau (via
Hong-Kong).Estas ligações completavam-sevia rádiousandoesta-
çõesportuguesasparaqueosinalatingisseoseudestinono interior
dascolónias.
Ospreçosdascomunicações telegráficasdascolóniascomametró-
E
ste trabalhoapresentaaevoluçãodoserviço telegráficoentreo
continente,as ilhasAdjacentes e as Colónias no período entre
1935
e1941.Nesteano,afixaçãodataxatelegráfica imperialfoifun-
damentalparamelhorarascomunicaçõesentre todosos territórios
nacionais.
Os cabos submarinosemPortugal
nadécadade 30
Oscabossubmarinosqueamarravamnacostaportuguesadestina-
vam-se a encaminhar o tráfego telegráfico nacional no triângulo
CAM (Continente-Açores-Madeira),entreascolóniaseocontinente
eparaosoutroscontinenteseafazertrânsitoparaamplificaçãodo
sinalqueseguiadepoispara lugaresdistantes.Eramexploradospor
diversas companhiasestrangeiras.Os contratosdatavamdo fimdo
séculoXIXe iníciodoséculoXX,exceptoodaItalcable,cujoserviçofora
inauguradoemDezembrode1929,paraexploraras ligaçõeseuropeias,
emconjuntocomaDATecomaCPQ.
Asituaçãoem 1937eraaseguinte
1
:
[
mapadapáginaseguinte]
NoperímetroCAMoperavamasseguintescompanhiasconcessioná-
rias:
>
CableandWireless L.
de
(
CWL– inglesa)
>
Italcable (ITAC– italiana)
>
DeutschAtlantischeTelegraphenGeselschaft(DAT–alemã)
>
CompagnieFrançaisedeCablesTélégraphiques (CPQ– francesa)
>
CommercialCableCompany (CCC–americana)
>
WesternUnionTelegraphCompany (WUT–americana)
Nascolóniasafricanasamarravamcabosdasseguintescompanhias:
>
EasternTelegraphCompany
>
WestAfricanTelegraphCompany
>
EasternandSouthAfricanTelegraphCompany
Nasorigensdaredetelegráfica
imperialportuguesa
TeresaAbecasis
|
Licenciada emEngenhariaElectrotécnica pelo IST,Colaboradora naÁrea de Investigação naUCP
Quadro 1
MontantespagosporPortugalàscompanhiasdecabosubmarinopelo tráfego
nacional (porpalavra,em cêntimos francoouro)*
Ligaçãoentre
Continente
Açores
Madeira
Angola
3,875
4,450
3,875
CaboVerde
1,500
2,075
1,500
Guiné
2,275
2,850
2,275
S.Tomé
3,375
3,950
3,375
Moçambique
1,650
2,150
2,120
Índia
1,470
1,620
1,520
Macau
3,400
3,670
3,820
Timor
3,900
4,075
4,225
*
Ocustodacomunicaçãopagopelopúblicoera igualaestevalormaisumadicionalparapagamentoda ligação terminal.
Rede de cabos submarinos que tocam nos portos portugueses da costa ocidental deÁfrica, 1939, arquivo iconográfico daFPC.
80
paracomprar,paraencomendarumacamanashospedarias,paraman-
darvirdecasa roupa lavada,eparaasnecessidadesdomesticasde
urgência.»
Regeneração:oambientequeacolhe
a telegrafiaeléctrica
ComoadventodomovimentoRegeneradorem 1851,eoActoAdicio-
nal à Carta Constitucional de 1852,é implementada uma série de
reformasquea instabilidadepolítica,económica,financeiraesocial
protelara.A criação doMinisterio dasObras Publicas Commercio e
Industriaé,porventura,areformamaisdestacáveldoprocessoderege-
neraçãoeconómicadoPaís.FontesPereiradeMelo,titulardanova
pasta,teveumaacçãode tal formamarcanteque,oseunomedeu
origemaumnovoconceitodefomento.Ofontismocaracterizoueste
períododaHistóriadePortugal.
Em 1852,oministro lançouas bases do ensino técnico e quase em
simultâneocriouoInstitutoIndustrialemLisboa.Aconstruçãodoscami-
nhos-de-ferroeacirculaçãodoscomboios,o lançamentodepontes
e estradas,o correio e amala-posta,a introdução e o desenvolvi-
mento do telégrafo eléctrico são contemporâneos e resultam da
mesmapolítica regeneradora.
Comamorteda rainhaD.Maria II
1
em 1853,D.Fernando
1
assumiua
regência durante amenoridade deD.Pedro V.No primeiro ano da
regência foram iniciadosos trabalhosde construçãodavia férreae
a telegrafiaeléctricaseguiu-se imediatamente.
Oprimeiro contratopara introduçãoda telegrafiaeléctrica foi cele-
brado.«A26deAbrilde 1855oMinistroAntonioMariaFontesPerei-
ra deMello eAlfredo Bréguet[…],contratarama construção das
linhas telegraphicasaereasdoTerreirodoPaço,Côrtes,palaciodas
Necessidades,Cintra,Mafra,Carregado,CaldasdaRainha,Alcoba-
C
omaentradadatelegrafiaeléctrica,oquemudouem relaçãoà
telegrafiavisual?Quase tudo:equipamentos,
modusoperandi
,
códigosderepresentaçãode letras,númerosefrases.Ospostoseesta-
ções,bem como as funções dos telegrafistas,foram reconvertidos
ousubstituídos.
Adivulgaçãodotelégrafode fioúnicosófoipossívelcoma invenção
de um código.SamuelMorse registoua sua patente em 1838 e as
comunicaçõesàdistânciaderamumpasso fundamental.
Oprocessodecomunicaçãoemmorseenvolveuorecursoafontesde
alimentaçãocontínua.Apilha fora inventadaem 1800porAlessan-
droVoltae foimelhoradaporGrenete Leclanché.Criaram-se,assim,
ascondiçõesessenciaisparaapráticade transmissãoe recepção.
Atelegrafiaeléctricapermitiuatransmissão,denoiteoudedia,com
umarapidez inusitada.EmPortugal,osemanário
OPanorama.Jornal
LiterarioeInstructivo,
número133,de1839,apresentou(cremospela
primeiravez)umanotasobreotelégrafoeléctrico.Dezasseisanosapós,
a telegrafiaeléctrica foi inauguradaeomesmo semanáriovoltoua
publicarumanotíciasobreonovoprocessodecomunicaràdistância.
Nesta altura,os benefícios do telégrafo eléctrico já erammelhor
conhecidoseomesmo jornal,maisumavez,destacoualgumasvan-
tagensqueonovomeioveioproporcionar:«Éummeiode transmis-
são,quenãosóabrangetodaaespherados interesseseconómicos,
masquepodeestender-sea interessesdeoutraordem,eampliar-se
ástransacçõesmaiscomunsemais íntimasdasociedade».
(
Panora-
ma,VolXII,1855,p.294)
Umoutroperiódico,O JornaldoComerciode28de Julhode 1855,tra-
ziaanotíciadostrabalhosemcursoparaaprimeira rededetelegra-
fiaeléctrica.OPanoramade6deOutubrode 1855,voltouapublicar
umanota,destacandoosbenefíciosquenosEUAretiramdestatele-
grafia:«NaAmericaservem-sedotelegrapho[eléctrico]paravender,
n.˚
AlfredoAnciães
|
LicenciadoemHistória pelaUAL -QuadroSuperior da FPC
Telegrafiaeléctrica
RainhaD.Maria II, arquivo iconográfico daFPC.
ANO VIII
|
SÉRIE II
|
2005
|
ANUAL
|
NÚMERO DOIS
presidente do conselho de administração
FRANCISCO LEIRIA VIEGAS
director
ISABEL SANTIAGO
coordenação editorial
RITA SEABRA
colaboraram neste número
ALFREDO ANCIÃES,
FERNANDO MOURA,
J.M.R.TEIXEIRA GOMES,
JÚLIA SALDANHA,
LUÍS MANUEL DE ARAÚJO,
MARGARIDA SOBRAL NETO,
TERESA ABECASIS
direcção gráfica
LUÍS SOARES, PAULO FRÓIS
paginação
DUPLADESIGN, LDA
fotografia
MADALENA ALEIXO
pré-impressão, impressão e acabamento
ELO, ARTES GRÁFICAS, SA
R. Almirante Gago Coutinho, 2640-487 MAFRA
propriedade
FUNDAÇÃO PORTUGUESA DAS COMUNICAÇÕES,
Rua D. Luís I, 22, 1200-151 Lisboa
edição
GABINETE DE COMUNICAÇÃO INSTITUCIONAL
depósito legal
125 540/98
issn
0874-2901
tiragem
2500
EXEMPLARES
Códice é uma publicação registada sob o número 122 468
capa e verso da contra-capa:
pormenor do mapa da
«
Rede Telegraphica de Portugal, Dezembro de 1903»,
arquivo iconográfico da FPC
4
Itinerâncias e comunicações
no Portugal medieval
Júlia Saldanha
20
José Diogo Mascarenhas Neto
O Homem da Mudança
Fernando Moura
34
O sistema de comunicações postais na idade
moderna e o processo de construção
do «Estado moderno»
Margarida Sobral Neto
46
As cores no Antigo Egipto:
um sensitivo meio de comunicação
Luís Manuel de Araújo
74
A cidade vista da Estação de Correios
da Praça do Comércio
J.M.R. Teixeira Gomes
80
Telegrafia eléctrica
Alfredo Anciães
58
Nas origens da rede telegráfica imperial
portuguesa
Teresa Abecasis
80
4
20
34
46
58
74